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Confiram as fotos do culto inter-religioso de Natal da Sefaz
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A celebração do Natal na Secretaria da Fazenda do Estado (SEFAZ) já se tornou uma oportunidade de reflexão conjunta sobre os temas que afetam a vida das pessoas direta ou indiretamente. E este ano, a tradicional comemoração, feita por meio do Núcleo de Desenvolvimento do Ser Humano (NDSH), convida os servidores para pensarem o tema “Por uma cidade mais humana”.
De acordo com a coordenadora do NDSH, Tina Pamponet, o assunto escolhido para nortear a celebração veio da necessidade de refletir sobre o que seria uma cidade boa para se viver. “Há um esforço comum em compartilhar um entendimento acerca dos problemas pelos quais passamos cotidianamente e, para isso, aproveitamos a inspiração que o espírito evocado pelo Natal nos traz “, disse.
Para atingir tal objetivo, o NDSH realizou uma série de atividades de confraternização entre a família fazendária, fortalecendo crenças, valores e sentimentos comuns. Uma delas foi a o culto inter-religioso, que aconteceu na última quinta-feira (15). A data escolhida celebrou também os 10 anos de existência do Núcleo.
Culto inter-religioso promove integração
Com a participação do público fazendário, além dos participantes do Movimento da População de Rua em Salvador, representantes das religiões católica, espírita, evangélica e do candomblé estiveram reunidos na cerimônia, que aconteceu no saguão do prédio-sede e incentivou os servidores a buscarem novos caminhos para uma convivência harmônica.
O coral da Secretaria, “Se faz cantando”, dedicou aos presentes canções natalinas e religiosas durante a abertura do evento, que contou ainda com a participação do subsecretário da Fazenda, Carlos Alberto Batista.
Além de caracterizar o momento como oportunidade recordar o que aconteceu em 2011, Batista lembrou também das expectativas para o próximo ano. “O momento em que o ano se finda é ideal para as reflexões sobre o que aconteceu em nossas vidas, no lar, na rua e também no trabalho. Podemos ver onde acertamos, onde erramos e planejar o ano que vem, lembrando que o nosso ambiente de trabalho é parte fundamental do nosso cotidiano,“ disse.
As palestras da tarde ficaram por conta do presidente da Cruzada dos Militares Espíritas, Marco Antônio Silva Pinto, do pastor da Igreja Batista da Comunidade Vila de Abrantes/Camaçari e oficial da PM, Gildásio Gomes de Jesus, do representante do candomblé, Anselmo José da Gama Santos e do administrador da Paróquia Nossa Senhora da Piedade, padre Luca Niccheri, que embasados no tema, pronunciaram palavras de incentivo à pratica de ações que tornam a cidade melhor para se viver.
Houve ainda a participação especial da coordenadora Nacional do Movimento da População de Rua, Maria Lúcia Pereira, falando sobre sua luta pela desmarginalização e inclusão nas políticas públicas das pessoas em situação de rua. “Falar de uma cidade mais humana é falar de todos nós, porque precisamos nos humanizar. Eu saí das ruas, mas a rua não saiu de mim, pois eu não deixo de olhar pelas pessoas que estão nela,” enfatizou. Na perspectiva do tema “Por uma cidade mais humana”, Maria Lúcia concedeu entrevista à Assessoria de Comunicação da SEFAZ, cuja íntegra está no final desta matéria.
Além do culto, uma série de iniciativas já estava acontecendo desde o mês de novembro, como a construção coletiva de uma árvore de Natal utilizando materiais reciclados, que promoveu o trabalho conjunto e conscientizou os fazendários sobre a preservação do meio ambiente.
Entrevista com Maria Lúcia Pereira
Como você se tornou uma pessoa em situação de rua?
Maria Lúcia - Cheguei com a idade de 16 anos, por perda de vínculos familiares. Meus pais morreram quando eu tinha dois anos de idade e desde então eu fui passando pela casa de alguns parentes, pelo Juizado de Menores até chegar à situação de rua. Infelizmente, a pessoa que mora nas ruas tem que se adaptar e aprender a conviver com muitas ameaças.
De que maneira conseguiu sobreviver a esses perigos?
ML - Tive a oportunidade de conhecer bons professores do lado obscuro das ruas. Fui privilegiada em ser "adotada" pelas pessoas que me ensinaram as técnicas de sobrevivência nas ruas e nunca permitiram que eu fosse violentada ou espancada. De menina passei a ser mulher, de tímida a ter atitude. Aprendi a ser forte e a me fazer forte. Durante meu tempo nas ruas senti na pele o descaso da sociedade e o frio da discriminação. Isso me fez sentir cada vez mais ódio das pessoas e muitas vezes a bebida e as drogas eram um alívio. Até que um dia eu encontrei uma senhora que acolhia a população de rua, que acreditou em mim e me deu forças.
E o Movimento População de rua, como surgiu?
ML - O movimento surgiu em 2004 quando, em São Paulo, vários companheiros nossos moradores de rua foram assassinados. A partir daí, vimos que já era hora de fundar um movimento da população de rua. No começo ficou entre as cidades de Belo Horizonte e São Paulo, que iniciaram o movimento, discutindo o tema através de fóruns e seminários, que eu inclusive participava.
Qual o foco da luta de vocês?
ML - Hoje nosso movimento luta pela inclusão da população de rua nas políticas públicas, pelo direito ao emprego, saúde, educação, segurança pública, lazer, cultura, coisas que todas as outras pessoas têm. Nosso objetivo é desvincular a ideia de que as pessoas estão na rua por opção e desconstruir a imagem de que a solução para essa parcela da população é apenas assistência social através de distribuição de sopa, cobertor, uma cesta básica, etc.
E aqui em Salvador, como surgiu?
ML - Em 2010, junto com companheiros de rua que acreditavam estar na hora de lutar por políticas públicas, o movimento se iniciou em Salvador, me dando muita alegria, pois ao contrário de tantos espaços de acolhimento para a população de rua, aqui temos o único espaço onde todas as decisões são tomadas por pessoas que saíram ou estão nessa situação. Toda semana nós íamos conversar com a população de rua, até que no dia 21 de março do mesmo ano, fizemos um encontro com a participação de 150 pessoas e com a presença do Coordenador Nacional. Fundamos o movimento e em seguida fui chamada para fazer parte dessa coordenação nacional.
Existe uma faixa etária para participar do Movimento?
ML - Atualmente mais de 100 pessoas com idades entre 18 e 60 anos participam do grupo. Essa faixa etária é o nosso foco, pois vemos que para a população adulta não existe completamente nada que os proteja, enquanto que as crianças e os idosos já possuem a favor deles um estatuto, uma área especializada.
E qual o perfil das pessoas acolhidas pelo grupo?
ML - Temos pessoas com dependência química para as quais, infelizmente, não existe uma política de recuperação. Existem participantes que possuem algum tipo de transtorno mental e por suas famílias não terem estrutura ou orientação para conviver com esse tipo de doença acabam parando nas ruas. Esse é o lado frágil da sociedade e eu fico com muito medo, porque um dia as ruas não vão conseguir acolher todas essas pessoas.
E como o Movimento se articula?
ML - Nós fazemos reuniões quinzenais na sede do movimento, sempre aos sábados para escutar a demanda da população de rua. Procuramos justamente estar atentos a todos os problemas apresentados. Por exemplo, existe a violência policial que viola os direitos, que bate na população e também por parte da sociedade, que tem acontecido muito. As pessoas não aceitam a população de rua, não querem enxergar. Por isso, nós queremos implantar aqui o Centro de Defesa dos Direitos Humanos da População de Rua. Já estamos em conversa com a Secretaria da Justiça, junto ao secretário Almiro Sena, para que este centro seja implantado, já que nós já temos um a nível nacional, que funciona em Belo Horizonte.
Em quais outros estados do Brasil o Movimento está presente?
ML - Além de Salvador, Belo Horizonte e São Paulo, o movimento está presente em outras quatro capitais: Fortaleza, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre. Também temos uma sede no Distrito Federal.
E aqui na Bahia, além de Salvador existe em algum outro município?
ML - Sim, fundamos essa semana uma sede em Camaçari. No dia 27 de setembro tivemos um encontro estadual, onde nós reunimos 120 pessoas das ruas de Camaçari, Vitória da Conquista e Feira de Santana, as três outras cidades onde há sedes, além de Salvador.
Quais os resultados conquistados por vocês até o momento?
ML - Entre as nossas conquistas está recentemente a de 56 unidades do Programa Minha Casa Minha Vida. Desde março estamos capacitando essas pessoas para receberem as suas casas. Além disso, nós conseguimos empregar 22 pessoas no programa Arena Salvador, da reconstrução da Fonte Nova. Estamos também fazendo capacitação profissional com os cursos de cabeleireiro e construção civil para 88 pessoas. E a partir de uma parceria com a Câmara de Vereadores que nos disponibilizou uma sala com dez computadores, temos 40 pessoas fazendo curso de inclusão digital no qual o instrutor é um dos nossos participantes do grupo.
E para o fim de ano, alguma programação especial?
ML - Temos sim. Nós fizemos ano passado e vamos repetir o dia ‘Natal Solidário’, em parceria com diversas secretarias. É um dia de ação social que tem duas funções: a primeira delas é mostrar às secretarias que é possível trabalhar junto, e a segunda é tirar da cabeça das pessoas a ideia que nós precisamos apenas de comida. Nós levamos vacinação, verificamos a pressão e outros serviços da área de saúde. Levamos também a Defensoria Pública, tratamentos de beleza, além de shows, inclusive com o pessoal do projeto Axé que trabalha com crianças e adolescentes. E como nós prezamos muito a recuperação, levamos a “Redução de danos” e o “Narcóticos Anônimos”, programas de reabilitação para dependentes químicos.
Como é que vocês conseguem chegar até esses parceiros?
ML - Nós temos o fórum que nos dá esse respaldo, já que ele é composto por pessoas da sociedade civil e por representantes das secretarias do Estado. Nós escutamos a demanda da população de rua, levamos para o fórum, e lá procuramos justamente dar esses encaminhamentos. A gente monitora, acompanha, faz a coisa acontecer!
Para finalizar, que mensagem você pode deixar para as pessoas na temática “Por uma cidade mais humana”?
ML - O movimento hoje em dia mostra que é possível as coisas acontecerem. É possível a população de rua até trabalhar, senão hoje nós não estaríamos conquistando tantas vagas no mercado de trabalho. A população não tem que estar nas ruas, por isso já tem essas pessoas que estão recebendo suas casas. E o movimento faz isso sem ajuda financeira. A gente faz isso justamente porque a gente acredita, gosta e pode fazer. Mas a gente sabe também que apesar de termos a parceria destas secretarias, como é o caso da Secretaria da Fazenda, que “escancarou” as portas pra gente, nós não temos o apoio da sociedade civil, que muitas vezes é ela quem faz de conta que nós não existimos, que chama a polícia pra tirar um morador de suas portas. E sabemos que precisamos dessa sensibilidade da sociedade civil, até porque as ruas acolhem tudo aquilo que a sociedade descarta.
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