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Carnaval de Salvador reúne multidões numa mistura de ritmos e culturas
O Carnaval de Salvador é conhecido mundialmente como uma grande festa que reúne multidões para celebrar a alegria, misturando diferentes culturas, ritmos e pessoas de todos os lugares, que cantam, pulam e dançam atrás do trio elétrico. Essa pluralidade cultural marca a essência do Carnaval soteropolitano, que passou por diversas fases até chegar à forma como conhecemos hoje. Especialista no assunto, o professor de história da UFBA e coordenador do grupo de pesquisa O Som do Lugar e o Mundo, Milton Moura, fala sobre a origem da folia em Salvador e comenta seu atual cenário.
De acordo com Moura, o Carnaval brasileiro teve origem no Entrudo, celebração trazida pelos portugueses, onde brincadeiras eram realizadas nos três dias que antecediam o período da Quaresma. "O Carnaval se afirma como negação do Entrudo, um conjunto de divertimentos baseado na lambança, em atirar água e outros líquidos, farinha e outras coisas nas pessoas. Havia rodas de samba, brincadeiras de todo tipo, com bebedeiras, muito barulho etc. Era uma herança portuguesa que havia sido apropriada também pelos escravos e outros negros. O Carnaval significava uma purificação desta herança e a inserção das cidades brasileiras no padrão europeu de civilização".
Desde sua origem até os dias atuais, a folia sofreu inúmeras mudanças até chegar ao Carnaval que conhecemos hoje, com blocos, trios elétricos e camarotes. "O padrão atual foi montado a partir do final dos anos 70. O acento nas grandes atrações, nas grandes estrelas, vem do início dos anos 90. É muito diferente de uma porção de gente dançando, rindo e cantando no meio da rua. Nos anos 60, 70 e uma parte dos 80, os trios elétricos arrebatavam multidões imensas, misturando todo mundo que queria pular junto. Foi o período mais democrático da história do nosso Carnaval", ressalta o professor.
Pluralidade sociocultural
Nas diversas cidades brasileiras, o Carnaval incorporou características da cultura regional, com diferentes formas de celebrar a festa. Em Salvador, uma das principais peculiaridades da folia é a grande mistura que ocorre nas ruas. "É uma abstração excessiva chamar de Carnaval brasileiro a coleção dos diferentes carnavais que acontecem no território brasileiro. São histórias muito diferentes. O caso de Salvador é marcado pela multidão reunida, que em alguns períodos é bem misturada e, em outros, ao mesmo tempo reunida e separada. Creio que aquilo que dinamiza mais intensa e profundamente essa aglomeração tensa, prazerosa e excitante é o desejo de superar as diferenças e separações do cotidiano nos outros trezentos e sessenta dias do ano", explica Moura.
Por conta desse aspecto multicultural que abraça a diversidade, milhares de turistas são atraídos anualmente em busca de experimentar a magia do Carnaval soteropolitano, explica o professor. "Os próprios turistas e demais visitantes se referem sempre ao clima da convivência na rua, à alegria contagiante durante muitas horas seguidas, à mistura de diversos tipos humanos. O trio elétrico teve importância fundamental neste processo de divulgação. A partir dos anos 80, também os blocos afro começaram a chamar a atenção destes outros públicos".
Mistura de ritmos
Apesar da predominância da axé music, o Carnaval de Salvador é eclético também com relação aos diversos estilos musicais que a festa agrega. Além do axé e do pagode baiano, outros ritmos como sertanejo, arrocha, forró e rock encontram espaço na festa. O professor Milton Moura afirma que essa variedade musical é positiva.
"Creio que deve haver espaço para todos os ritmos, para todos os gostos. Por exemplo, o rock em Piatã tem um público fiel, que se entretém, se diverte e marca sua posição em termos de gosto musical. Nos últimos anos, o arrocha tem conquistado espaço, desde Nara Costa. Outro estilo que tem conquistado espaço é o samba que corresponde ao pagode carioca, marcadamente influenciado pelo fundo de quintal. Alguns blocos como Simpatia Quase Amor e Alerta Geral atraem muita gente por causa dessa levada", conta.
No entanto, Moura faz uma ressalva com relação ao sertanejo, que, segundo ele, utiliza o Carnaval como espaço para a publicidade feita pelas grandes gravadoras. "O sertanejo é muito distante do clima do Carnaval. As aparições de seus artistas correm por conta do interesse das gravadoras, que assim fazem publicidade deles. Meio minuto de visibilidade de um produto para uma cidade ou mesmo para um país é muito caro, e no Carnaval acontece às vezes de modo episódico. As gravadoras e as produtoras têm muito interesse nesse tipo de marketing. Creio que essa abertura enfraquece o que o Carnaval de Salvador tem de mais próprio. Não sou contrário à abertura desse espaço, mas não concordo com o destaque desses artistas no nosso Carnaval", opina.
Reinvenção do Carnaval de Salvador
Mesmo com a presença de outros estilos, a hegemonia musical da festa continua sendo da axé music. "A imprensa fala da decadência da axé music, mas este estilo continua hegemonizando a cena do Carnaval. O que acontece é que o axé não está mais associado à narrativa da baianidade, não fala mais de Salvador. A cidade está perdendo o seu narcisismo criativo, que pulsava em forma de composições musicais. A axé music se modificou muito. E se diversificou também. Ninguém pode dizer que Ivete, Brown e Cláudia Leite estão menos famosos, vendem menos e atraem menos gente. Há revelações recentes, como Saulo, e revelações imediatas, como o vocalista da banda Eva".
Nos últimos anos, o Carnaval de Salvador tem experimentado um movimento de alguns artistas saírem em trios sem cordas, para o folião pipoca. "A reinvenção do trio sem corda tanto é uma estratégia para oportunizar ao folião a participação mais direta no trio como é uma busca de saída para a crise do bloco de trio. Este sim está em crise já há algum tempo. Crise financeira, crise de criatividade, crise de modelo", aponta o professor.
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